Texto introdutório à entrevista que fiz com Luís Capucho para a seção da revista Polivox na Amarello.
Quando ouvi Luís Capucho uma das coisas que logo me chamou a atenção foi que suas canções se pareciam muito umas com as outras. Ele estava dentro de um paradigma que não era o da profusão de cores e ritmos da MPB; parecia fazer em toda sua obra uma única canção contínua, à maneira de um Bob Dylan. As letras eram narrativas como em seus livros. Ouvindo “Poema maldito”, por exemplo, aprendi que na canção que conta histórias é melhor que não se varie tanto os acordes para que não se perca o fio da meada — já conduzido com melodias sinuosas e frequentemente próximas da fala. Luís descreve objetos e situações com uma aspereza deslumbrante; quando cantados, porém, se abrem em um mundo de fantasia e delicadezas, com luz e paleta de cor próprias. A criação desse universo mágico passa pelos temas obsessivos, pelo modo (como foi dito) perturbadoramente direto de narrar, por uma visão de mundo rica de subjetividade, mas também pela materialidade de sua voz crua e de seu violão de movimentos limitados — as cordas soltas dos acordes inventados por ele soam erradas aos ouvidos educados —, ambas restrições motoras que lhe foram impingidas pelo coma. Dessa forma, os gatinhos de Pedro, a cadeira que Valfredo lhe deu, sua mãe, os vizinhos de trás, o vale onde mora (bichos, lugares, pessoas, situações ordinárias do cotidiano) se tornam encantados na voz de Luís. Na origem, o afeto agudo do artista com as pessoas e as coisas ao seu redor.
Ao fim da entrevista, em frente ao prédio onde mora em Niterói, Luís apontou, na outra calçada, uma igreja evangélica, ao lado dela, uma batista, e, mais à frente, um centro espírita. Os cultos, disse, aconteciam todos ao mesmo tempo e sempre com música; isso fazia com que ali circulasse uma forte energia espiritual. A amendoeira ao nosso lado, explicou, subia daquele modo, linda, se abrindo em copa larga e com tal inclinação para a rua, por causa disso.