Texto sobre o disco “Amarelo”, escrito pelo compositor e crítico Paulo da Costa, para a revista Piauí.
Amarela, em tons de ouro, é a luz do fim de tarde. Luz tenra, que delineia formas e volumes com mãos delicadas, revelando cores e matizes quentes, texturas afetivas. É nesse amarelo que penso quando ouço o álbum de Bruno Cosentino, que traz como título o nome da mesma cor. Amarelo entrevisto de “altas varandas”, como nos versos de Duas pétalas. Cada canção é um ambiente a ser iluminado pela voz de Bruno, com sua qualidade branda diluindo suavemente os contrastes. Seu canto macio amortece o impacto de cada palavra cantada, cercando-a numa teia de cuidado. As baladas que embalam o álbum são como fotografias que trazem uma ambiência levemente esfumaçada.
A sensação é de que estamos num ambiente interior, protegido, que se comunica com o exterior não de modo direto, mas por membranas – membranas que filtram o que vem de fora. Em tal atmosfera de acolhimento, os afetos sutis saltam ao primeiro plano. Os acontecimentos mais banais ganham relevância: o silêncio contrariado do amante (“Cheio de si…lêncio-grito”) resvala em profundos questionamentos afetivos (“Qual de nós amou e foi amado? / Sentiu deus num átimo?”); o singelo amarelo do umbigo flerta com a dimensão da eternidade; lábios transformam-se em pétalas vermelhas que vagueiam pela noite de São Paulo; as doces obrigações do amor escorrem nas águas da Baía da Guanabara, ou na transpiração do sexo, na lembrança de que “podemos morrer pela cintura”.
Mesmo os temas mais espinhentos não estão ausentes do disco; apenas são redimensionados em seu fluxo sereno. O sexo, a morte, as angústias metafísicas, as dúvidas e hesitações, as inseguranças do amar e saber-se amado – tudo vai sendo abarcado por uma atmosfera mais ampla de gratificante beleza. E tal atmosfera será sentida, sobretudo, na pele. A pele que sente a dor é também a pele que sente o veludo da carícia. Amarelo é um disco que soa próximo, perto de nós; que se coloca no ponto preciso da iminência do contato físico – entre a contemplação e a ação, entre o olhar e o toque. Os elementos que compõem seu universo sonoro apontam para essa proximidade, para essa qualidade tátil – das peles da percussão aos timbres de guitarras e cordas, passando pelo som da madeira do violão.
Como na famosa divisa de Baudelaire, em Amarelo “tudo é luxo, calma e volúpia”. A tranquilidade é recolhida no seio da paixão. Ruídos e distorções se apresentam nos arranjos para depois recuar diante do canto sereno de Cosentino, ressaltando-o por contraste. Dele emanam as cálidas cores e afetos que sentimos ao ouvir o disco. Amarelo é, em seus diversos matizes, a cor desse canto. Canto que nos transporta em devaneios mundanos, ora distantes no deserto, ora no aconchego do umbigo.